Mergulhar neste período – que vai de 1914
com o início da Primeira Guerra mundial, passando pela Revolução de
Novembro de 1918 que levou ao fim da monarquia e ao nascimento da
República de Weimar, culminando finalmente na ascensão de Hitler em 1933
– tem me trazido perspectivas novas acerca da sociedade e do ser humano
em si.
Mas um dos processos mais interessantes nessas leituras tem sido estudar a própria ideologia nazista no campo político, pois tem me levado a repensar a própria política e suas rotulações.
Nos comentários de documentários sobre o nazismo no YouTube há discussões acirradíssimas acerca de dois pontos principais: era uma ideologia de direita ou de esquerda? Socialista ou capitalista?
Este, na verdade, é um debate que ocorre há tempos nos meios políticos. Num primeiro momento, pra quem só se lembra do que disse o professor na escola, parecem perguntas sem cabimento, afinal de contas sempre aprendemos que o nazismo foi uma ditadura de extrema direita, consequentemente capitalista. Outros, especialmente aqueles que comungam com o pensamento de direita, afirmam veementemente que era uma doutrina de esquerda, afinal era o “Nacional Socialismo”, e enumeram inúmeras semelhanças entre os regimes de Hitler e Stalin. O principal argumento deste grupo é que o Estado nazista era centralizador do poder: regulava os aspectos econômicos, políticos e sociais da Alemanha e dos países ocupados, como reza a cartilha socialista.
Foi por achar que ambos os lados possuem razão em seus argumentos que passei a questionar a superficialidade de reduzir a política à dicotomia esquerda-direita.
Vou trazer um pouco do contexto alemão da época: segundo o historiador Peter Fritzsche, havia um desconforto entre o povo alemão e a monarquia do II Reich, distante, fria e burocrática com a população. A demanda por uma identidade nacional, que incluísse a todos, era latente e tornou-se possível com o advento da Primeira Guerra Mundial. Com a negligência do governo imperial no período e a derrota na guerra, os alemães aprenderam a se unir e agir independentemente ao Estado. Social Democratas e Comunistas se fortaleceram e, mediante a revolta popular e a abdicação do Kaiser, surgiu a República.
No entanto, com as conseqüências do pernicioso Tratado de Versalhes e a Grande Depressão de 29, os republicanos não conseguiram a estabilidade desejada, criando uma disputa na urna (e nas ruas) entre nacionalistas e comunistas. Quem ganhou esta briga todos nós sabemos.
O NSDAP em seu início chamava-se apenas DAP – Partido dos Trabalhadores Alemães. O contexto previamente citado apresentava uma dupla demanda: a identidade nacional fortalecida desejada especialmente pela classe média da época, e a inclusão social buscada pelos trabalhadores. A jogada de mestre de Hitler foi exatamente unir ambas em uma ideologia só, criando o conceito de “Nacional Socialismo”, o qual chamamos em abreviatura de nazismo.
Tendo em vista o contexto, a ideologia e o programa político do partido, a resposta que daria à questão acerca do posicionamento do nazismo seria a que ele era tanto de direita quanto de esquerda. Ou, talvez mais sensatamente, de nenhum dos dois.
Política e economicamente, vejo o Nacional Socialismo como de esquerda, utilizando-se do capital, mas contrário ao livre comércio e centralizando o poder todo no Estado. (Neste ponto parto do princípio de Norberto Bobbio de que socialismo e capitalismo não são necessariamente contrários um ao outro, pois o primeiro é uma ideologia política e o segundo uma teoria econômica.)
Já ideologicamente, posiciono-o como de extrema direita, por elementos como o próprio nacionalismo, a concepção eugênica (levada ao extremo) e o aspecto religioso/oculto (no sentido das ciências ocultas, não no vulgar) que permeia todo o discurso – algo claro no Mein Kampf e nos estudos acerca das SS, Henrich Himmler e Alfred Rosenberg, especialmente. Aqui, o único aspecto tradicionalmente atribuído à esquerda seria a importância do corpo social em detrimento à individualidade – aspecto esse crucial em uma ditadura.
Reduzir o nazismo à esquerda ou à direita é não perceber a complexidade do período e da própria realidade, além de ser por si só uma briga ideologica. Fazendo isso, agimos como se o mundo fosse binário – preto e branco, bom e mal, esquecendo-nos do resto das cores e dos contextos em que as coisas se dão. E isso pode ser (e é) utilizado como uma ferramenta de controle extremamente poderosa, exatamente como fizeram os nazistas em sua propaganda.
Aline Silva
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