Palavras nada mais são que sons codificados e partilhados por grupos. Se pensarmos nos demais habitantes deste planeta perceberemos que existem diversos tipos de códigos, partilhados pelos mais diversos grupos de seres vivos. Apesar de não se constituírem em falas à moda humana, estes códigos são formas de comunicação eficientes, pois transmitem mensagens que podem ser entendidas. Em situações mais comuns, sabemos que cães e gatos domésticos possuem meios de se comunicar. Não é difícil saber a mensagem enviada por um cão que rosna e eriça seus pêlos frente a um invasor. "Afaste-se!" diz ele, sem pronunciar nenhuma palavra. O mesmo ocorre com um gato que roça a perna de seu dono quando este chega a noite do trabalho, dizendo "estou com fome". A dança que as abelhas produzem ao encontrar uma região rica em pólen, ou o tocar de antenas das formigas, passando pela comunicação química entre plantas* são exemplos de formas de comunicação utilizadas por outras espécies. Os macacos Rhesus são tidos como possuidores dos sistemas mais complexos de comunicação entre os animais. Utilizam-se de cerca de 20 sons diferentes e sabem fazer 20 gestos para se comunicar, perfazendo um total de 40 palavras. Pássaros, peixes, insetos, plantas desenvolveram linguagens como estratégia de sobrevivência; linguagens que têm feito diferença na constante luta pela vida. Em relação aos demais seres deste planeta, nossa linguagem é muito complexa. Um indivíduo conhece em média 4.000 palavras e as línguas (português, francês, inglês etc) podem conter centenas de milhares de verbetes. Comunicamos-nos mais e com mais precisão do que os demais seres deste mundo. Mas podemos nos perguntar ao que se deve tamanha complexidade na nossa linguagem.Por um lado, poderíamos esperar que as dimensões das linguagens fossem semelhantes, pois partilhamos um mundo físico semelhante aos dos demais animais (chuvas, ventos, calor, frio e demais características físicas são comuns aos habitantes deste planeta), assim como, boa parte das sensações fisiológicas, como fome, sono, medo etc. Por outro lado, nossa estrutura social difere muito das deles: nosso cotidiano se assemelha muito pouco aos demais seres deste planeta. Para ter certeza disto, basta nos concentrarmos nas modificações que impomos ao meio ambiente para constituirmos nosso habitat. As cidades são construções humanas que acabam por ditar formas particulares de se viver. A comunicação de animais e plantas se limita ao envio de ordens e a manifestação de necessidades imediatas. Para os insetos, animais e plantas, as palavras são formas de manifestar necessidades como "estou com fome", ou "não se aproxime", ou ainda "encontrei comida". Comunicação e linguagem, neste caso, são faces da mesma moeda, pois a última materializa a primeira. A linguagem vista desta forma, teria papel passivo na comunicação, se constituindo apenas no veículo codificado da informação. Vista desta forma, a linguagem se prestaria a meramente exprimir necessidades e desejos pré-existentes, configurando-se em um realinstrumento de comunicação. Bronowski emprega a noção de linguagem de ordens para definir tal concepção de linguagem. No entanto, a função da linguagem para o ser humano é muito mais complexa do que aos demais seres vivos. Podemos nos comunicar sobre fatos e situações concretas e presentes do mundo, mas também sobre situações imaginadas, e acontecimentos passados, produzidos e armazenados em nossa mente. Ao empregarmos a palavra "bonito", e seus sinônimos, não estamos fazendo apenas a descrição de uma situação ou coisa. Produzimos uma avaliação sobre algo, que possui elementos presentes, mas também sobre diversas outros que não estão. Ao empregarmos a palavra “bonito” estamos lançando mão de uma idéia que não se encontra especialmente vinculada a objetos, situações ou sensações. Utilizamos tal palavra para designar tanto objetos, como a Monalisa de Da Vinci, ou a Catedral de Brasília, mas também sobre uma cena familiar, ou ainda sobre um gesto de afeto. Devemos, pois, entender que existe uma aplicação do senso comum acerca do uso das palavras, dando a impressão a procedermos a descrições de objetos e situações. Isto acontece quando existe consenso no emprego das palavras, induzindo-nos a acreditar que se trata de características ou propriedades das coisas. Mas, determinadas situações são fortemente influenciadas pelo contexto, tornando-se resultado de julgamentos pessoa ou coletivo. Porém, as palavras são mais que características das coisas. Elas se constituem em idéias intencionalmente elaboradas e que ganham sentido dentro de contextos definidos. Muitas das coisas consideradas belas na sociedade ocidental de hoje, não o seriam em outras civilizações, e viceversa. Por exemplo, a Vênus de Milus, modelo de perfeição para os antigos gregos, seria considerada “gordinha” para os dias de hoje! Na verdade, melhor seria referirmo-nos ao uso das palavras como processo de julgamento, envolvendo diversos elementos presentes em minha mente. Algumas vezes, tais julgamentos são mais conscientes, outras vezes, menos! Estes julgamentos se tornam idéias que se materializam em palavras como bonito, feio e lindo. A linguagem humana vai além da comunicação direta e da descrição de coisas, servindo para dar forma às nossas idéias e permitindo-nos lidar com elas. Em nossos pensamentos podemos refletir sobre idéias e modificá-las. Alteramos a idéia de beleza quando introduzimos novos critérios em nosso julgamento. Assim, um mesmo objeto pode ser bonito numa situação e não em outra, ou para determinada pessoa e não para outra. Podemos inserir a idéia de beleza dentro de um tratado sobre estética, construindo desta forma uma teoria sobre seu significado. De posse deste tratado poderíamos, inclusive, entender melhor as diferenças culturais no seu uso. O contexto no qual a palavra é inserida constituí-se num mundo de idéias que não tem uma relação exclusiva com as informações obtidas do mundo. Isto reflete nossa capacidade de imaginação, e é isto o que nos diferencia dos demais seres vivos deste planeta. Segundo Bronowski:
A existência de palavras ou símbolos para coisas ausentes, desde 'dia bonito' a 'impedimento definitivo', permite que os seres humanos pensem em si mesmos em situações que não existem realmente. Este dom é a imaginação, e é simples e forte, porque não é senão a capacidade humana de criar imagens no espírito e de as utilizar para construir situações imaginárias.
(Pietrocola)