A
abordagem sociológica do crime tem produzido uma visão deste fenómeno por vezes
bastante distinta da que é projectada pela sociedade em geral, que tende a
apresentar a criminalidade como uma das ameaças mais prementes ao que se
considera ser o normal e esperado funcionamento da sociedade. Sociologicamente
o crime pode ser encarado como “funcional e normal”, como um contexto de
“aprendizagem e de socialização” e como uma “resposta das instâncias de
controlo”.
A
sociedade em geral tem uma compreensão limitada do crime, no sentido em que a
visão do criminoso é muitas vezes imputada às suas características individuais
não o relacionando com a sociedade em que se insere. Desta forma, as teorias
sociológicas do crime vieram dar ênfase aos grupos sociais em detrimento das
causas individuais.
Na
sociologia, o crime pode ser encarado como funcional e normal. Segundo a tese
da normalidade e funcionalidade do crime defendida por Émile Durkheim a
normalidade do crime deve-se à sua universalidade, ou seja, o crime é um
fenómeno que se observa em todas as sociedades. Em segundo lugar ele vai
defender a necessidade e a utilidade do crime. Assim, o crime é visto por este
autor como uma mostra dos limites da autoridade da consciência colectiva e como
agente de mudança moral. Desta forma, Durkheim define crime como a ofensa à
consciência colectiva, e dá-se com mais frequência quando as normas e condutas
impostas nesse momento já não são legítimas e se impõe uma alteração para novas
regras e leis. Assim o aumento de criminalidade é sinal de que o sistema social
não está a funcionar correctamente. O autor introduz o conceito de anomia
quando se manifesta um desregramento geral ao sistema, onde já não existe uma
ordem normativa para controlar a força não integradora dos instintos dos
individuos, revelando assim, pouca coesão social. Por exemplo, actualmente
verifica-se algum desrespeito pela autoridade policial, o que pode resultar da
existência de leis brandas, segundo a abordagem funcionalista a explicação
seria que as leis actuais encontrar-se-iam desajustadas o que leva ao
desequilíbrio e à perda de legitimidade das regras. Desta forma, os indivíduos
não se revêem no sistema judicial, mostrando por isso, pouca ou inexistente
coesão social, e sentem-se mais vulneráveis à propensão da criminalidade. A
anomia não se traduz como sendo um “estado de espírito” individual, mas sim
como manifestação de desagrado a um sistema social no qual os indivíduos não se
identificam.
A
criminalidade poderá espelhar alguma desorganização social, no entanto, o crime
pode conter uma organização social pois implica aprendizagem e socialização.
Estamos a falar das subculturas delinquentes, este conceito foi desenvolvido
por Cohen, para ele a subcultura é uma “cultura dentro da cultura”. A
subcultura advém de uma certa reacção conflituosa e de rejeição às normas
instauradas na comunidade. Deste conflito, que gera frustrações face à cultura
dominante surgem as subculturas delinquentes. Assim, nesta nova cultura que
nasce dentro mas de forma oposta à cultura dominante, os elementos convertem-se
a um sistema de crenças e valores em acção. Dentro delas existe também um
processo de aprendizagem, socialização e motivação. Este processo leva à
interiorização de um código moral específico ou cultural permitindo e
favorecendo a ocorrência do crime. O delinquente vai, dentro da subcultura,
querer corresponder às expectativas dos outros elementos integrantes que
incentivam actos delinquentes. Desta forma o delinquente pretende atingir
dentro do seu grupo o status que lhe foi negado ou dificultado dentro da
cultura dominante. A dificuldade do delinquente em enveredar pela aceitação das
normas da sociedade em que se insere parte de uma desigualdade e descriminação
que sofre dentro dela. Ou seja, a cultura dominante impõe um código de conduta
para a procura do sucesso que não está ao alcance de todas as classes. Segundo
Cohen são os jovens da classe trabalhadora que encontram, geralmente, muitos
obstáculos e dificuldades para seguir o caminho de alcance de sucesso traçado
pela classe média segundo os moldes desta. Inevitavelmente muitos estarão
condenados à frustração e assim procurarão alternativas subculturais A escola
desempenha um papel fundamental na perpetuação desta desigualdade e
descriminação, no sentido em que veicula a cultura dominante (ideia também
desenvolvida por Bourdieu) assim, para os jovens da classe trabalhadora a
escola implica sofrerem uma desaculturação da sua educação familiar, ou seja,
encontram-se assim em clara desvantagem altamente prejudicial, pois condenados
ao insucesso, vendo o seu caminho barrado, vedado, tortuoso, são invadidos por
sentimentos de falhanço, humilhação e frustração. A saída possível é abandonar
esse caminho e enveredar por outro. Assim vão rejeitar as regras e condutas
dominantes no sentido de criar novas que ele mais facilmente compreende e
alcança para realizar-se através deles. Neste processo de reacção-formação, de
ruptura com a cultura dominante encontram acolhimento na nova subcultura. Cohen
parte da crença de que a delinquência é geralmente obra dos jovens masculinos
das classes mais baixas não explicando as causas da prática de crimes pelas
classes altas.
Para
estudar o crime é necessário o estudo dos actores sociais, não só os criminosos
como também os individuos que reagem ao crime. Esta é a base das teorias
interaccionistas que vai mostra como o crime não é um fenómeno individual e
isolado, este resulta sempre de uma construção social, de uma reacção social a
um determinado comportamento. Para os interaccionistas “a sociedade tem os
criminosos quer”. Ou seja, por exemplo, onde a o consumo de droga é livre o
drogado não é visto como um criminoso, desta forma a sociedade tem os
criminosos que considerar como tal. Não podemos estudar só os criminosos, temos
de estudar todos os actores sociais que de uma forma ou de outra reagem ao
crime. Assim, irão centrar-se nas instâncias de controlo, como a escola e o
sistema jurídico, as instâncias de produção normativa. Segundo esta abordagem a
lei não é a única fonte de legitimidade, por exemplo, o juiz por muito
objectivo que tente ser nunca consegue desvincular-se das normas e valores da
sociedade em que se insere, seguindo-se assim pelos seus próprios estigmas. Por
exemplo, sabemos que num caso de homicídio as mulheres tendem a receber
sentenças menos pesadas que os homens, uma vez que não é esperado este tipo de
comportamento por parte de individuos do sexo feminino. O controlo social vai
estigmatizar e rotular de forma negativa, os individuos que tiveram
comportamentos considerados desviantes. A consequência dos processos de
rotulagem passa pela dificuldade que o indivíduo tem em se desvincular do
rótulo que lhe foi atribuído, mesmo quando já não corresponde a este. Por isso
muitas estratégias de inserção social não resultarem, vai sempre haver
audiências de reacção, por exemplo um indivíduo que tenha cometido um assalto,
o rótulo de ladrão vai sempre acompanha-lo, as pessoas nunca irão depositar
confiança nele. Portanto, sendo o desvio uma criação social que provem da
própria natureza do controlo social, esta irá criar regras segundo a classe
dominante, ou seja, os detentores do poder irão criar regras que os protejam, a
si e à sua propriedade privada, daí o número de detidos da classe baixa ser
superior que os da classe alta. Para além de deterem mais recursos não é
esperado que um individuos com posses financeiras cometa um crime. O mesmo
acontece com os individuos de “raça” negra, este são mais facialmente
condenados, o que não significa que ele cometa mais crimes que os sujeitos de
“raça” branca. Um dos autores ligados a esta teoria é Edwin Lemert. Ele
afirmava que as diversas formas de desvio comportamental passam por duas fases
distintas: o desvio primário e o desvio secundário. O primeiro, leva à
transgressão das normas devido a factores económicos, familiares. Já o segundo
é o espaço onde se constroem identidades individuais e colectivas, onde se
formam as subculturas, pois quem recebe o rótulo de criminosos vai reagir,
podendo tornar-se mais criminoso do que era. Isto faz com que o rótulo se torne
o factor mais importante da identidade do desviante. O indivíduo ao ser
estigmatizado pelos outros vai fazer com que a classificação que os outros lhe
deram faça parte integrante da sua personalidade, ele próprio irá produzir a
estigmatização. Por exemplo, os reclusos tendem a responder a comportamentos
esperados, assim irá fazer tatuagem como forma de assumir o papel de
delinquente que lhe foi atribuído. Assim os delinquentes tomam parte activa do
seu próprio processo de rotulagem. Outro autor a referir é Howard Becker, nele
encontramos todos os princípios das teorias interaccionistas. Para ele a raiz
do desvio encontra-se na ordem social e no processo desencadeado pelo controlo
social. Quando os indivíduos não se integram nessa ordem caminham para
comportamentos desviantes. Para melhor compreender esta teoria poderá ser
apresentado um exemplo analisado segundo esta abordagem. Os estrangeiros são
prejudicados a nível de aplicação de penas e isso pode ser explicado, à luz da
teoria interaccionista, pois a classificação do comportamento desviante varia
segundo as características da pessoa que comete o desvio, neste caso, os
imigrantes. Segundo Becker, a raiz do desvio está na própria ordem social e nos
processos de controlo social como a polícia e os tribunais. Estes, seguindo um
estereótipo, condenam mais rapidamente um estrangeiro. Para Lemert, no caso
específico dos imigrantes, estes formam subculturas específicas que vão
funcionar como modalidade de resposta à operação de rotulagem. Os imigrantes
sofrem de estereótipos e são mais condenados por isso. Para tentar minimizar o
poder dos “powerful reactors”, eles criam, então, as subculturas.
-FERREIRA,
J. M. CARVALHO et al. (1995), “Desvio e Controlo Social”, Sociologia, Lisboa,
McGraw-Hill: 429-446.
-FIGUEIREDO
DIAS, Jorge ; ANDRADE, Costa (1984), Criminologia - o homem delinquente e a
sociedade criminógena, Coimbra, Coimbra Editora: 63-361.
Texto de
Ariana Meireles